segunda-feira, 10 de fevereiro de 2014

A morte das palavras que repousam na obra

Hoje recupero um texto que escrevi com o intuito de expressar a minha frustração/preocupação enquanto autor, editor e leitor com a forma leviana como se critica e disseca a obra literária, expondo-a em praça pública totalmente descontextualizada e, portanto, desprovida do seu sentido original e propósito. Preocupa-me seriamente o estado da crítica literária em Portugal, o descompromisso dos meios de comunicação tradicionais, a afirmação de blogues e sites com práticas pouco claras e com influência considerável. A esse tema prometo voltar em breve, urge tentar perceber métodos e conteúdos de blogues e compará-los com os meios tradicionais. Perceber como está a ser tratada a crítica literária. Perceber qual o poder das redes sociais que trazem a público todo e qualquer texto e toda e qualquer opinião. Por hoje, fica apenas o meu texto.
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As palavras acabadas morreram. Agora tudo é editável! Morreram as histórias terminadas, as frases finalizadas. Agora tudo é discutível, tudo é debatido e anotado. A literatura já não é arte, o escritor já não é artista. Que escrita é essa a que carece de explicação? 

Um livro é o que é, uma obra acabada, um texto com um fim, com uma mensagem que lhe é inerente. Um livro representa uma história que um escritor quer transmitir, uma mensagem, um significado, algo... Algo que está entre a capa e a contracapa e que não vai para além disso senão no espírito do leitor e nas suas interrogações ou alterações de comportamento. Que livro é esse que é debatido, e alterado, e anotado, e reescrito, e censurado, e explicado? 

Um livro é um livro e nada mais. Não me expliquem uma história, por favor! Se ela carecer de explicação então não merece ser compreendida e muito menos merecia ser lida. Um livro é um livro, uma mensagem de alguém que me chega às mãos sobre essa forma, de um livro. O texto obrificado que vale por esse acabamento finalizado que não pode ser posto em causa, capaz de se fazer perceber de maneiras diferentes a cada leitura. Mediante discussão, explicação e alteração onde está a arte? O texto passa a ser um objeto, um ponto de partida para um debate que não faz sentido a quem o escreveu. A mensagem é do escritor que a escreve e do leitor que a lê. Não serve para escrutínio em praça pública por usurpadores de frases alheias. 

Sobre a escrita do escritor só vale a opinião do leitor, só isso e nada mais. Nem regras nem preconceitos, nem censura nem preceitos. Quem cria a obra é o artista, quem melhor para saber o que deve ou não ser feito? O gosto pessoal é conta de outro rosário, é isso mesmo, pessoal, pessoal e intransmissível. Agora já não há palavras acabadas nem livros fechados. São tudo ficheiros que andam por aí, perdidos em parte incerta. Nunca chegam a ser teus, nunca lhes tocas. Podes perdê-los sem nunca os teres encontrado. Não os podes folhear, levar debaixo do braço, emprestar a um amigo ou namorada, admirar numa estante. Agora já não há livros. São só palavras perdidas por esses computadores. Frases desordenadas que são baralhadas e distribuídas ao calhas, sem uma disposição cuidada na página, preparada ao milímetro a rigor com a história. 

Dizia-se que história e livro não podem viver um sem o outro. É uma capa dura ou mole que faz o livro, é a gramagem do papel que lhe dá alma, é o tipo de letra que liberta a mensagem e a deixa voar para além das páginas. As palavras acabadas morreram. Agora tudo é editável!

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